sábado, 1 de setembro de 2012

Histórias de Marinha

Histórias de Marinha
Rio de Janeiro, RJ em 31/08/2012
Paulo de Paula Mesiano, CMG AvN Refº

No tempo antigo, tempo do Império, existia no Rio Uruguai, uma intensa navegação que ligava Buenos Aires na Argentina a Itaqui, no Estado do Rio Grande do Sul, essa navegação longitudinal no Rio Uruguai acabou, devido às pontes rodoviárias, que obsticularam essa navegação, assim a navegação comercial no Rio Uruguai ficou restrita a navegação de travessia. De qualquer forma essa navegação é sujeita a legislação especifica, aplicada pela Capitânia dos Portos, que em Itaqui tinha uma Capatazia, cujo capataz como todo Gaúcho investido de autoridade era muito rigoroso e cioso do seu cargo e de suas funções.
Nessa travessia Itaqui x Alvear, aconteceu algo, que me olvidei, em que o Capitão dos Portos e Delegado do Trabalho Marítimo, teve que intervir, cargos que Eu exercia nos idos de 1978, e que requereram a minha presença, para solver esse Imbróglio local.
Lá fui para Itaqui, em lá chegando, tendo  conciliando os interesses navais com os comerciais, da navegação de travessia do Rio Uruguai, me levaram para conhecer a cidade de Itaqui, entre outros pontos de interesse turístico, o “Theatro Lírico Prezewodowski”, que segundos meus anfitriões tinha a ver com a Marinha, da qual Eu representava na atualidade. a autoridade Marinheira, curioso tomei conhecimento da seguinte história, verdadeira, ocorrida naquela localidade por volta de 1874, época da construção desse monumento arquitetônico, da Cultura teatral da Cidade de Itaqui.
Foi um famoso incidente diplomático, ocorrido em 22 de junho de 1874, entre as cidades de Itaqui, Brasileira e Alvear, Argentina.
Itaqui era a sede da Flotilha do Alto Uruguai, rio que delimita a fronteira oeste do Estado do Rio Grande do Sul com a Vizinha e fraterna Argentina.
O Imperador Pedro II esteve presente na rendição das Forças Paraguaias, na Guerra da Tríplice Aliança, conhecida como a Guerra do Paraguai, na Cidade de Uruguaiana, tão logo concluído os procedimentos dessa rendição das Forças Paraguaias, Sua Majestade, manifestou o desejo de visitar, outras cidades da região, visitou São Borja e Itaqui, acompanhado de seus dois genros, o Conde D’Eu e o Duque de Saxe, do Marquês de Caxias, e comitiva, embarcando no Vapor “Onze de Junho” sob o Comando do Almirante Francisco Marques de Lisboa, o Visconde de Tamandaré.
Sua Majestade permaneceu o tempo todo no Passadiço ouvindo as explanações do Almirante Tamandaré, sobre a região, e o convenceu de posicionar no Alto Uruguai, uma Flotilha Naval, como um plano estratégico, de desencorajamento de qualquer tentativa de invasão do Rio Grande do Sul, por parte dos países vizinhos. O Porto escolhido para sede da Flotilha Naval, do Alto Uruguai, como foi designada, foi o da Cidade de Itaqui. Acreditava o Almirante Tamandaré que a presença duma Flotilha aguerrida de naves de combate, inibiria qualquer investida invasiva, do território brasileiro, delimitado pelo Rio Uruguai, sua fronteira Oeste.
A flotilha se instalou em Itaqui em meados de 1866, composta do Vapor “Lamego” (Capitânia) e das Canhoneiras “Greenhalgh”, “Taquari”, “Vidal de Negreiros” e dos Monitores Encouraçados “Alagoas” e “Rio Grande” seis navios de primeira linha, sob o Comando do Capitão-Tenente Francisco Duarte da Costa Vidal.
A Flotilha do Alto Uruguai permaneceu nas águas do Rio Uruguai, por Trinta Anos, muitos componentes da Flotilha, Marinheiros e Oficiais, se casaram com moças da Região, se destacando os Capitães-Tenentes Luiz Philippe Saldanha da Gama e Estanislau Prezewodowski, este último o autor do Incidente Diplomático que vamos narrar.     
Por influencia da Marinha, foi fundada em Itaqui a Santa Casa de Caridade, o Teatro Lírico, uma Escola de Artífices, um Arsenal de Marinha (nas instalações terrestres da Flotilha), responsável pela formação de Operários Navais, Marceneiros, Carpinteiros, Ferreiros, Armeiros e outras especialidades, necessárias à Flotilha.  A presença da Marinha na região, foi fator de Progresso e Desenvolvimento.
A Marinha montou um Arsenal e construiu um Prédio que foi destinado ao Comando da Flotilha e aquartelamento das Guarnições, quando os Navios estavam em Itaqui, no porto, os navios eram muito desconfortáveis.
O Capitão-Tenente Estanislau Prezewodowski, comandou a Flotilha de 1872 a 1874, e era Médico do Estado Maior da Flotilha, o 1º Tenente  Cirurgião Naval, Dr Panphilo Manoel Freire de Carvalho, que atendia não só a Flotilha, como a Sociedade de Itaqui, bem como a de Alvear.
Num dia em que tinha sido chamado para atender uma Senhora da Sociedade de Alvear, é que foi o estopim dum serio incidente local, com conseqüências desastrosas para o CT Prezewodowski.
O Dr Panphilo se dirigiu, para Alvear, uniformizado, ostentando os seus galões, na Lancha do Comandante da Flotilha, que como marca o Cerimonial Naval, estava com a Bandeira Nacional, à popa. Ele estava indo a serviço, devido a um chamado da Família duma Parturiente que estava necessitando dos seus Serviços Médicos, era uma missão oficial, sua ida a Alvear não era uma patescaria e muito menos um “gato” para farrear.
Ao desembarcar e se dirigir para a residência, da referida parturiente, foi atacado por dois indivíduos, que se soube a posteriori, serem dois Médicos Italos-Argentinos, que o atacou covardemente. Após, breve luta o Dr Panphilo, em inferioridade, ficou estatelado no chão, esvaindo-se em sangue, os dois agressores escafederam-se, porque o julgaram morto, só aí, a Guarda Argentina, que tudo presenciou, o socorreu e o levou para a Lancha, em que Ele tinha vindo. A suposição pela agressão era a respeito da sua Missão, pois os dois Médicos Italos-Argentinos é que estavam assistindo a parturiente para a qual o Dr Panphilo fora chamado. Socorrido e embarcado na Lancha retorna a Itaqui, se apresenta na situação, que se encontrava todo roto, ferido e ensangüentado, ao Comandante Prezewodowski.
Prezewodowski não titubeou, pertencia a classe dos Guerreiros Navais, aguerrido, reuniu o seu Estado Maior e redigiu uma nota enérgica exigindo uma satisfação, a detenção dos agressores que já haviam sido identificados, tratava-se de Guido Bonatti e Vicente Legatto, que fanfaroneavam que em Alvear quem atendia a população era os Argentinos, que os “Brasileños” deviam cuidar dos “macaquitos”.
As autoridades de Alvear, não lhe deram resposta, ofendido nos seus brios, Prezewodowski, reitera seu pedido de satisfações, seguido dum ultimato, se não fosse dada, as devidas satisfações que ele bombardearia Alvear.
Esse ultimato foi enviado dia 21 de junho de 1874, o bravo Comandante da Flotilha do Alto Uruguai, aguardou até o dia seguinte, dia 22, quando ordenou aos Monitores Encouraçados “Alagoas” e “Rio Grande” que estavam em postos de combate, em posição de bombardeio naval (Bonacot) que abrissem Fogo, contra Alvear, o que foi feito com três salvas, prudentemente por cima do casario da cidade, na quarta salva, sobre o casario, logo após o abre Fogo, uma Comissão de Notáveis de Alvear, procura o Comandante Prezewodowski, para prestar satisfações, informando que as Autoridades Argentinas, constituídas da Cidade de Alvear, haviam prendido os dois indigitados e se retirado da Cidade, indo para Corrientes que era a Capital da Província.
Prezewodowski, se considera, desagravado e ordena o cessar fogo. Mas o terrível incidente, teve continuação na Marinha, o Governo Imperial, exonerou o CT Estanislau Prezewodowski, do Comando da Flotilha do Alto Uruguai e o submeteu a Conselho de Guerra, sendo julgado em Jaguarão, na foz do Rio Uruguai, onde deságua na Lagoa Mirim, no dia 7 de Novembro de 1874, tendo sido absolvido por unanimidade.
O Comandante Estanislau Prezewodowski, era filho de pais Poloneses, nasceu em Salvador, em 22 de outubro de 1943, teve uma carreira profícua, vindo a falecer em 15 de agosto de 1903, seu nome figura em 12º lugar entre os 19 heróis, inscritos no livro de ouro da Marinha do Brasil, destacados por atos de bravura na Guerra da Tríplice Aliança, a Guerra do Paraguai.          
As Autoridades e o Povo de Itaqui, numa singela homenagem deram o seu nome ao Teatro Lírico, que até os dias atuais continua galhardamente de pé, prestando serviços a cultura gaúcha, cuja construção, havia sido incentivado, por Ele.
O entusiasmo e a dedicação dos Oficiais de Marinha, Guerreiros de hoje, sem duvida alguma se deve aos genes navais-marinheiros, de Oficiais da estirpe de Estanislau Prezewodowski, Oficiais como Ele, como os Guerreiros de hoje, jamais levaram desaforos, para bordo das Belonaves da Marinha do Brasil.
                                                        Viva a Marinha.

.   Se non é vero é ben trovato - Giordano Bruno – Frade Dominicano